Chao Lung Wen - Telemedicina e Telessaúde Brasileiras

Telemedicina e a Telessaúde: Uma abordagem sob a visão de estratégia de saúde apoiada por tecnologia

Chao Lung Wen
Professor Associado e Coordenador Geral da
Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP

Não é muito fácil especificar qual foi o evento que marcou o início da telemedicina (TM), pois ele depende da referência adotada pelos autores, uma vez que num período de tempo bastante próximo, ocorreram diversos experimentos relacionados ao uso da tecnologia aplicada para finalidades médicas. Alguns autores consideram que a primeira aplicação foi realizada pela National Aeronautics and Space Administration (NASA), no início de 1960, por causa do programa de vôos espaciais e o desenvolvimento de sofisticadas tecnologias de telemetria biomédica, sensores remotos e comunicações espaciais3.

Existem muitas definições para a Telemedicina, e elas podem mudar segundo suas aplicações e características, e com o surgimento e incorporação de novas tecnologias. Delimitar as áreas de atuação da TM é tão complexo quanto definir todos as áreas que a informática pode ser aplicada. Porém, estabeleceu-se algumas características básicas da Telemedicina3:

  1. Distância física entre comunidades: as que necessitam e a que provê o serviço médico.
  2. Uso da tecnologia para realizar a assistência, em substituição a presença física.
  3. Disponibilidade de equipe médica e de profissionais de saúde para prestar o serviço.
  4. Disponibilidade de profissionais das áreas de tecnologia responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção da infra-estrutura de TM.
  5. Sistematização do processo de teleassistência com desenvolvimento de protocolos de dados clínicos.
  6. Estruturação de segurança, qualidade e sigilo dos dados e serviços oferecidos através da TM.

Tendo por base estas características, podemos dizer que a telemedicina não é uma atividade exclusivamente médica, mas é o resultado da união de profissionais de saúde e de tecnologia, formando uma importante sinergia para o desenvolvimento de atividades que visam a promover a saúde.

Nesta última década, a telemedicina deu um grande salto, devido a melhoria das tecnologias de eletrônica, informática e telecomunicação. Estas melhorias contribuíram para que a TM obtivesse maior qualidade funcional e com concomitante redução de custos.

Vários países vêm tendo expressivo crescimento sustentado no uso da telemedicina. Entre eles podemos citar os EUA, países escandinavos, Canadá, Austrália, entre outros. Além da Nasa e das Forças Armadas Americanas, a conexão entre a Groelândia com a Dinamarca para obtenção de serviços de saúde é um exemplo da incorporação do uso da telemedicina na prática médica diária.

Diversos fatores estão envolvidos na consolidação da telemedicina nestes países. Além do aspecto tecnológico e da capacitação humana, fatores como a regulamentação jurídica e questões relacionadas com reembolso foram e estão sendo importantes para definir a sustentabilidade da TM.

Do ponto de vista tecnológico, podemos agrupar a TM em 3 grandes conjuntos: (1) em instituições que usam tecnologias de ponta nas quais são utilizados modernos recursos que envolvem telemonitoragem, teleconferência, biometria e telerrobótica; (2) instituições que empregam média tecnologia. No caso do Brasil, poderíamos exemplificar o acesso a Internet de Banda Larga sob o ponto de vista de telecomunicação; (3) em instituições que usam as tecnologias de larga abrangência, acessíveis por grande parte da sociedade na região na qual está sendo implementada a TM.

Embora, durante a segunda metade da década de 90, a teleconferência tenha sido adotada como importante recurso para prover a TM nos países desenvolvidos (EUA, Europa Ocidental, Austrália, entre outros), diversos trabalhos publicados a partir de 1999 tem abordado o uso da Web e de tecnologias mais simples (e-mail) para fins de interconsulta médica e capacitação para médicos generalistas. Estes fatos demonstram o grande potencial da Internet1,2,3,4,5,6,7,8,9.

Devido à heterogeneidade nos aspectos social, econômico, saúde e de estrutura de telecomunicação, é de se pressupor que, no Brasil, a telemedicina de baixo custo baseada na Internet poderá ser a melhor alternativa e ter a maior rapidez de implementação. Quando aplicada em escala nacional, a telemedicina de larga abrangência é uma forma eficiente para universalização da promoção da saúde.

Algumas considerações

Sob o ponto de vista de atuação, podemos agrupar a TM em 3 grandes conjuntos:

Teleducação – desenvolvimento de programas educacionais baseados em tecnologia para atualização profissional, treinamento de profissionais não-médicos, informação e motivação da população geral para prevenção de doenças (apoio a campanhas de saúde e ao Programa de Saúde da Família), bem como para atividades de graduação e pós-graduação em medicina e ciências da saúde.

Teleassistência / Vigilância Epidemiológica – desenvolvimento de atividades para disponibilizar segunda opinião à distância para, por exemplo, as unidades de atendimento básico, primário ou secundário, a realização de triagens de pacientes a distância, o apoio ao diagnóstico e tomada de decisão. Sistemas podem ser desenvolvidos para permitir a associação das atividades assistenciais com base de dados para gestão de informação e acompanhamento epidemiológico.

Pesquisa Multicêntrica / Comunidades Virtuais – integração de diversos centros de pesquisa, permitindo a otimização de tempo e custos por meio do compartilhamento de dados e padronização de formas de estudo.

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A telemedicina, mais do que um recurso tecnológico para proporcionar atividades a distância, a telemedicina adquire efetividade quando ela está associada a um plano estratégico de saúde e vinculado a um processo de logística de distribuição de serviços de saúde.

A vinculação da TM com estratégias está na necessidade dela estar inserida dentro de um plano global de ação, considerando-se fatores como tempo (momento) e espaço (local geográfico). Isso significa que a Telemedicina deve estar contextualizada ao momento temporal que a região onde será implantada está atravessando e com as características geográficas das regiões onde serão supridas por seus serviços. Inserir a telemedicina numa estratégia significa colocá-la numa posição exclusiva e valiosa, envolvendo um variado conjunto de atividades. Deve haver o reconhecimento de que a estratégia influencia e é influenciada pela ação de outros fatores ao longo do tempo, portanto, deve estar em constante avaliação e adequação.

O termo logística foi empregado na área militar para designar estratégias de abastecimento de seus exércitos nos “fronts” de guerra, com o intuito de que nada lhes faltassem. A telemedicina deve levar em consideração, de um modo figurado, este aspecto, pois ocorrerão situações em que a TM por si só será apenas uma etapa intermediária para solucionar um determinado problema, necessitando adicionalmente de uma logística que possa prover acesso a serviços de saúde para o público-alvo, para a solução definitiva. Exemplo: encaminhamento dos pacientes para serviços médicos especializado e/ou hospitais ou necessidade de entrega de materiais e medicamentos para os locais atendidos.

Não é possível simplesmente importar a telemedicina e aplicá-la. Quaisquer ações de telemedicina necessitam de adequação, treinamento da equipe de recursos humanos, logística de acesso a serviços de saúde, entre outros.

Estes aspectos mostram a necessidade de se agregar conceitos adicionais para as características atuais da TM. A aplicação e efetiva implantação da telemedicina deve acontecer com uma avaliação criteriosa dos diversos fatores que podem agregar valor a uma determinada atividade. Caso contrário, a telemedicina dificilmente encontrará suporte funcional a médio e longo prazo. A integração entre a Estratégia e Logística permitirá a aplicação eficiente da telemedicina na prática diária.

A Telemedicina pode ser vista como “Estratégia de Logística para promover o bem estar e/ou melhoria de processos através do uso de tecnologias de informática e telecomunição”.

Atualmente existem diversos recursos que permitem viabilizar a telemedicina de baixo custo, e no Brasil, já existem redes de telecomunicação que poderiam ser interconectadas entre si para facilitar as ações. São exemplos a RNP, RUTE, SIVAM/SIPAM, Redes Governamentais Estaduais, Rede Giga, entre outras. As linhas digitais, linhas DSL, TV a cabo e outras infra-estruturas de telecomunicação podem formar uma capilaridade de comunicação para efetiva implantação da telemedicina.

Por outro lado, a atual difusão e popularização das videoconferências com equipamentos dedicadas, permitirão que os importantes Centros Hospitalares do Brasil possam conectar-se entre si por uma telemedicina de alta performance e online. Cada centro poderá cobrir as unidades básicas de saúde da sua região por meio da telemedicina de médio e baixo custo, aumentando seu raio de ação, e organizando o processo de atendimento médico segundo a complexidade. Esta é a proposta do Projeto Estação Digital Médica – Estratégia de Implantação e Ampliação de Telemedicina no Brasil, desenvolvida por um grupo formado por 9 instituições (Faculdade de Medicina da USP, Faculdade de Medicina da UFMG, Faculdade de Saúde Pública da USP, Instituto de Biofísica da UFRJ, Faculdade de Odontologia da USP (FOB), Hospital de Clínicas de Porto Alegre, IEP do Hospital Sírio Libanês, Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Instituto Tecnológico Aeronáutico, sob a coordenação da primeira).

As características importantes deste projeto são: a difusão da telemedicina, desenvolvimento de atividades de prevenção de doenças (programas de orientação para população e treinamento de agentes comunitários de saúde, por meio de vídeos explicativos com uso dos recursos da computação gráfica do Projeto Homem Virtual), e apoio às comunidades carentes e populações isoladas por meio dos Estágios Rurais Multiprofissionais em sinergia com os Programas de Saúde da Família do Ministério da Saúde, de Atenção Básica e Internato Rural.

Referências Bibliográficas

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  9. Taleb AC, Böhm GM, Avila M, Chao LW. The efficacy of telemedicine for ophthalmology triage by a general practitioner. Journal of Telemedicine and Telecare, 2005; 11:S1:83-85.